terça-feira, 16 de outubro de 2012

"A gente não se cansa, de ser criança, da gente brincar da nossa velha infância."

(Velha infância)

Uma caixinha no canto do quarto espera para que alguém a ache. Só está ali, esperando. Afinal, não pode fazer mais nada do que isso, é uma caixa! Então só espera. O que ela espera? Bom, espera  por alguém, talvez espere até por você, só quer que alguém a abra. O que tem lá dentro? Ah, sabia que ia essa pergunta ia chegar.
Lá dentro há uma infância. Guardadinha, tudo junto e misturado, brinquedos compartilhando o espaço com momentos e sonhos, do jeitinho que a garotinha crescida deixou para você achar. 
Se você abri-lá irá encontrar  uma bonequinha de pano um pouco rasgada por causa do uso. Com um vestidinho que um dia foi listrado, mas que desbotou. Ah, você não imagina o tanto de histórias que ela tem para contar. Cada lágrima, cada sorriso, cada frase, que talvez nem em uma vida dê para contar. Talvez até dê, mas não vem ao caso.
Se você tirar a boneca lá de dentro, irá encontrar cartas sem sentido nenhum. Apenas rabiscos de uma escritora sem uma fonte definida, morros que uma garotinha que nem escrever sabia fez com a caneta de pena muito cara do pai.
Se tirar a cartinha de mentira, irá encontrar umas palavras verdadeiras escritas do jeito errado. "R" ao contrario, "fazenda" com "M" em vez de "N" e "fazer" com "V" em vez de "F".
Depois de todas essas tentativas de escrita, vem livros. Quatro, na realidade. Vermelhos, com capa dura, antigos comprados em um sebo do centro de São Paulo com o título "Guerra e Paz" pequenininho na capa. Não que a garota conseguisse entender. Mas as figuras eram legais. Então ela passava tardes de invernos folhe-olhando o livro, imaginando que um dia leria-o.
Se você continuar olhando vai encontrar uma estrelinha apagada. Essa noite sim, ela foi especial. Foi a noite que a garotinha nem dormiu depois de ver o Peter Pan pela primeira vez e nem sequer ousou a  piscar o olho, olhando pela janela, esperando-o. Mas ele nem veio. Deixou-a esperando, acordada, olhando as estrelas, especialmente essa, para não esquecer como chegar lá. "Pegue a segunda estrela à direita e siga reto até o amanhecer." ela repetiu baixinho. Amanheceu.
A garotinha simplesmente piscou o olho durante aquela noite tão longa, e quando viu, estava fazendo essa caixinha para você encontrá-la, mas especialmente, para você cuidar bem dela.
Tome cuidado porque é frágil.
Tome cuidado porque a garotinha gosta muito dela.
Então cuide bem, porque você não vai ter outra caixinha além dessa.

(Tema: Uma crônica de lista)

4 comentários:

  1. Luiza, excelente! delicado, terno, saudoso e muito bem "amarrado". Além disso, você consegue unir realidade e fantasia de modo coerente e poético, parabéns.

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